domingo, 25 de janeiro de 2009

Asight

Leu tanto que pensou mais um tanto e transplantou a córnea. Mas só em sua cabeça. Não via mais nada como há um segundo, novos olhos, nova visão. Havia mais mágica em tudo, nada era comum. Passara todos os anos de sua vida, até então, olhando com os antigos olhos os mesmos lugares e pessoas, que agora pareciam transformados, estavam diferentes. Tudo era motivo de celebrar a beleza, e esta era em abundância. Uma gota d'água transbordando inocentemente de um squeeze vislumbrava seu pensamento, e inclinava a cabeça para acompanhar todo seu breve itinerário até se espalhar pelo chão e dividir-se em brilhos úmidos. Em um cd qualquer, com a mídia virada pra cima, as cores vibrantes da tecnologia fantasiavam diante de seu nervo óptico alterado, era a aurora boreal em pleno Nordeste Brasileiro.

Fitava agora sua mão, esta que o acompanhara por toda seus dias desde feto, na mágica gestação. Era bonita, e como era. Tentou decifrar as linhas de sua palma, parecia um alfabeto esquecido, em vão. Girou-a e olhou bem de perto. Via a localização exata das veias que faziam todo o transporte e nutrição de tanta coisa biológica que ele desconhecia - ou se conhecia, preferia deixar assim no não-saber. Tocou-a. O sentir é gostoso, intenso, vivante. Sentia, logo existia. Agora juntou as duas mãos numa dança silenciosa e minuciosa, onde os dedos guiavam numa melodia misteriosa e bela, bela como tudo que seu olhar alcançava. Quando a dança cessou, olhou a outra mão. Observou logo abaixo dela a esperança amarrada no pulso, e achou isso muito bonito. Esse transporte de coisas boas do coração até o pulso, materializado e merecedor de versos. É tudo possuidor de muita boniteza.

2 comentários:

  1. " Foi então que eu o senti maior do que eu — maior porque sendo apenas um menino se atrevera a penetrar no que me assustava, embora soubesse do irreversível do que o menino vira. Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo. "
    ( Caio Fernando Abreu - eles )
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    " A sensação de ser era uma visão aguda, calma e instantânea de se ser o próprio representante da vida e da morte. Então, ele não quis dormir, para não perder a sensação de vida. "
    Clarice Lispector
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    e foi mais ou menos isso que aconteceu, numa dança muda ele viu o que antes nunca virá e depois que vê não se pode fazer mais nada, já viu. Ele viu a beleza da vida, viu que era vivo, e como Clarice disse ali em cima, eu aposto, que depois disso "ele não quis dormir, para não perder a sensação de vida. " :)

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